Uso de peças arqueológicas para pesquisas astrofísicas divide cientistas

Centenas dos lingotes históricos já foram fundidos e usados em dois laboratórios de astrofísica. [Imagem: De Juan/D. G. de Cultura/Generalitat Valenciana]
Chumbo puro
 
O uso de lingotes de chumbo recuperados de antigos navios romanos para procurar por partículas cósmicas está acendendo um debate inédito no campo científico.
 
O que para uns é um tesouro arqueológico, para outros é uma matéria-prima que pode ajudar a desvendar os segredos do Universo.
 
Tudo começou quando cientistas do projeto CDMS, que procura sinais de matéria escura, em Minnesota (EUA), e do Observatório Gran Sasso (Itália) começaram a usar os lingotes de chumbo romanos.
 
Ocorre que as propriedades desses tijolos de chumbo recuperado de antigos naufrágios são ideais para experimentos em física de partículas.
 
"O chumbo romano é essencial para a realização desses experimentos porque ele oferece pureza e níveis tão baixos de radioatividade - tanto menos quanto mais tempo eles passaram debaixo d'água - que os métodos atuais para a produção deste metal não podem alcançar," defende Elena Perez-Alvaro, da Universidade de Birmingham, obviamente do lado dos astrofísicos.
 
"O chumbo extraído hoje é naturalmente contaminado com o isótopo Pb-210, que impede que ele seja usado como blindagem para detectores de partículas," acrescenta Fernando González Zalba, da Universidade de Cambridge.
 
Já o chumbo da era romana possui níveis substancialmente mais baixos do isótopo Pb-210, que tem uma meia-vida de 22 anos.
 
Paixões científicas
 
Os arqueólogos contestam.
 
Segundo eles, o que está havendo é a comercialização e destruição de um patrimônio cultural.
 
Os físicos e astrônomos tentam puxar a sardinha para o seu lado compondo questões de forma bastante apaixonada: "Devemos sacrificar parte do nosso patrimônio cultural a fim de obter um maior conhecimento do Universo e da origem da humanidade? Será que devemos ceder parte do nosso passado para descobrir mais sobre o nosso futuro?"
 
Assim no campo das paixões seria fácil perguntar se não deveríamos também derrubar todos os prédios históricos para construir novos para atender às necessidades de moradia da humanidade.
 
E se o material necessário fosse parte de um quadro ou escultura, valeriam as mesmas questões?
 
Trata-se verdadeiramente de um dilema para o qual não existe uma resposta definitiva.
 
O fato é que tudo já parece encaminhado, e o chumbo romano já está incorporado aos experimentos. É certo que não foi todo ele, e ainda existem vários lingotes originais que ainda podem ser apreciados e estudados.
 
O que se pode esperar agora é que o debate possa embasar casos futuros sobre quando e como podemos gastar nossas heranças e como decidir essas questões.
 
Afinal, todas as vezes que se endossou comportamentos do tipo "qualquer coisa em nome da ciência", os resultados beiraram ao catastrófico.
  
Neutrinos e matéria escura
 
Desde 2011, mais de 100 lingotes recuperados de navios romanos naufragados têm sido usados para a construção do "Observatório Criogênico Subterrâneo para Eventos Raros (CUORE), um detector avançado de neutrinos, em construção Laboratório Nacional Gran Sasso, na Itália.
 
Este laboratório passou a ser bem conhecido do público depois do caso dos neutrinos que não superaram a velocidade da luz.
 
No século 18, um outro navio carregado de lingotes de chumbo naufragou na costa francesa. Uma empresa de caçadores de tesouros recuperou o material e, apesar de problemas com as autoridades francesas, conseguiu vendê-lo para a equipe do experimento "Busca Criogênica pela Matéria Escura" (CDMS).
 
Este detector, localizado em uma mina subterrânea nos EUA, procura sinais da enigmática matéria escura, que se acredita constituir um quarto do Universo.

Fonte: Inovação Tecnológica

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